domingo, 30 de janeiro de 2011

Educação redentora, professor Cristo




Durante muitos anos no Brasil, o acesso à escola estava restrito a uma pequena parcela da população, que não precisava trabalhar desde pequenos para ajudar no sustento da família. De fato, a educação escolar não era tão importante (para o pobre), o que se valorizava mais era que a pessoa aprendesse um ofício desde cedo e entrasse logo para o mercado de trabalho.
Com a redemocratização do país, em meados da década de 1980, começou-se a discutir maneiras de se universalizar o direito à educação no Brasil. Teoricamente, ricos e pobres deveriam ter o direito de frequentar as escolas e receber uma educação de qualidade.
O discurso político da época era que se o país conseguisse acabar com o analfabetismo e colocar todas as crianças na escola, todos os outros aspectos da vida da população melhoraria. Com educação, a saúde, a renda, o emprego, estariam garantidos para as próximas gerações. A educação seria a redentora de todos os erros antidemocráticos ocorridos durante séculos de exclusão dos pobres no Brasil. Estas falas continuam presentes. Um dos maiores expoentes da fase atual destes discursos é o senador Cristóvão Buarque, que será sempre dono do meu voto quando se candidatar a presidência.
Não discuto que a educação é o melhor, e mais difícil caminho para melhorar a vida da população pobre. E que, todos os outros fatores da vida destas pessoas realmente melhorariam, se elas recebessem uma educação de qualidade. Porém, a efetivação da política de acesso à educação se deu de maneira parcial. Colocaram as crianças na escola, um passo extremamente importante. Acreditou-se então que os problemas do país estivessem resolvidos dentro de pouco tempo, quando a geração totalmente alfabetizada chegasse à vida adulta. Não foi o que aconteceu.
Um exemplo claro do fracasso do atual sistema é que nos grandes centros urbanos, onde corre a maior parte do dinheiro e onde se tem mais acesso à escola, temos os maiores índices de violência. Ficou provado que, apenas abrir os portões das escolas para os pobres não resolveria os problemas. Escola e educação não são a mesma coisa.
Como exigir que um aluno vá bem na escola se ele não tem o que comer em casa? Se ele está preocupado com a chuva, porque a casa dele pode ser alagada ou perder os telhados? Se ele não sabe o que vai ser do seu próprio futuro, nem o que ele está fazendo ali sentado, vendo um blá blá blá que nada tem a ver com a sua vida prática?
Como exigir de um aluno educação e bom comportamento, se ele foi abandonado pelos pais e é criado por uma avó ou tia, ou se ele vê a mãe ser espancada pelo pai alcoólatra todos os dias ou se assiste os pais viciados em crack fumando pedra o dia inteiro dentro de casa?
No Estatudo da Criança e do Adolescente: "Art. 3º - A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-selhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade."
Na LDB: "Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nosideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Fica claro que se pensou uma educação global, que não fosse apenas responsabilidade da escola, mas sim de toda a sociedade.
A prática, porém foi bem diferente. Colocaram as crianças na escola e não as fornece educação, pois não temos condições de ensinar nem o básico para quem está de barriga vazia. Está mais do que provado que as condições psicológicas interferem de maneira brutal sobre o desenvolvimento intelectual das crianças. E esta geração, que foi a maior vítima deste sistema, são crianças, porém não são filhos. Todos nós somos culpados.
Desta maneira, quando se coloca a escola no papel de redentora, coloca-se o professor como o Cristo brasileiro moderno, que deve sofrer todas as mazelas e torturas possíveis, que são consideradas inerentes à natureza do seu trabalho. Todos os dias letivos são a nossa páscoa. E nossa sexta-feira da paixão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário