quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O Haiti é aqui



Semana passada, completou-se um ano que ocorreu o terremoto no Haiti. O país, que segundo rankings internacionais era o mais pobre das Américas, e que a maior parte da sua população já vivia em condição de miséria, se viu atingido por uma das maiores tragédias naturais da humanidade. Não se sabe ao certo o número de mortos, mas estimativas contam mais de 300.000 vítimas fatais.
Semana passada, também, aconteceu, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, a maior tragédia natural da história do Brasil. Uma chuva muito forte provocou enchentes e avalanches de terra, carregando e soterrando casas, carros e pessoas. Ainda não se sabe ao certo o número de vítimas, que sobe a cada atualização. Juntando os corpos já encontrados com o número de pessoas desaparecidas, somam-se mais de mil vidas perdidas.
Alguns podem argumentar que é um exagero da minha parte querer comparar uma tragédia que já se perdeu a conta do número de mortos há muito tempo, com outra, na qual o número de mortos, oficialmente, não chegou nem a mil. A estas pessoas eu peço calma e atenção para ler a explicação a seguir.
As grandes catástrofes produzem nas pessoas a comoção necessária para que os Estados escondam as tragédias cotidianas vividas pela maioria da população. O Haiti, mesmo antes dos terremotos, já podia ser considerado, por diversos motivos, uma das maiores tragédias da humanidade. Um país sem Estado, sem exército, controlado por milícias fortemente armadas, e com uma população que sofria com a fome e as doenças.
Da mesma forma, a vida da população pobre no Brasil é repleta de privações, de todos os tipos. Somente uma pequena parcela dos brasileiros tem condições de obter durante a vida educação de qualidade, saúde, lazer, enfim, o mínimo para a dignidade humana.
Numa situação de grave crise, como as duas que mencionei, os cidadãos se juntam na dor, compartilham de um sentimento de perda. O Estado, por sua vez, aproveita estes momentos para disfarçar os absurdos que ocorrem a todo momento, no dia-a-dia, e que acabaram se naturalizando no imaginário social. Não tenho as estimativas, mas sugiro que o leitor faça o exercício mental de tentar somar quantos perdem a vida no Brasil de forma violenta, como assassinatos e acidentes de trânsito. Quantos morrem por falta de atendimento médico. Quantos morrem por falta de uma moradia decente, saneamento básico, trabalho digno não degradante. A maior causa de morte de brasileiros, é, sem dúvida, a falta de educação. O Brasil é, ao mesmo tempo, a Bélgica (se você mora dentro da Contorno) e a Somália (se você mora no Citrolândia).
Não é querer minimizar a tragédia das chuvas no Rio, ou em qualquer lugar. A morte de uma pessoa é suficiente para que lamentemos eternamente toda a nossa falta de educação.
O que quero dizer é que a tragédia do dia-a-dia é muito mais grave de complexa resolução do que as grandes catástrofes. E, sugiro a todos que não coloquem a culpa somente no Estado: cada um de nós dá a aquiescência para que ela ocorra. Todos somos responsáveis por cada vida perdida, seja por uma enchente, seja por um tiro, na fila do hospital, ou por acidentes de trânsito.
This is Brazil.

Um comentário:

  1. É muito triste ver a situação na qual se encontram as pessoas envolvidas nesta tragédia. Além de perder a casa, os pertences, as lembranças mais preciosas, muitos tiveram a família interia literalmente engolida pela terra da noite para o dia. Por mais que tentemos imaginar a dor, esta não cabe em nossa mente, muito menos em nossos corações. Tragédias assim comovem. Mas a sensação que eu tenho é que cada dia mais a sociedade (nós, afinal) estamos mais sedentos de fatos avassaladores, mas que logo deixam de impressionar e são substituídos por outros, mais assustadores e graves. É como se estivéssemos anestesiados. Como se a pele, já tão castigada, já não fosse capaz de perceber a tragédia do dia a dia.

    Esta é a fábrica de ilusões do sistema no qual estamos inseridos, que faz tudo parecer esta roda viva sem fim.


    This is Brazil. Que vai mudar.
    Precisa mudar.

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