Existe, porém, uma música quase desconhecida neste álbum, que se chama Teerã. Segundo o próprio Herbert Vianna, essa música traça um paralelo entre as crianças vítimas da guerra no Irã (que na época estava no seu auge de violência) e as crianças vítimas da desigualdade social no Brasil. Aqui quase nada mudou.
A música começa com os versos:
"Por quanto tempo ainda vamos ver
fotografias pela manhã
imagens de dor
lições do passado
recentes demais pra se esquecer "
Coincidentemente, estive essa semana em uma excursão com meus alunos da 8a série, na redação do jornal "o Tempo", o mesmo que faz o primeiro tablóide sensacionalista de Belo Horizonte e jornal mais vendido do Brasil, o famigerado "Super Notícia". De fato o Super revolucionou o mercado jornaleiro de Minas, e muita gente que antes não lia nenhuma linha, hoje já lê o noticiário policial e a página de esportes desse jornal, o que é um grande avanço.
Quem acompanhou a excursão foi uma mocinha muito simpática, funcionária do marketing da empresa. Quando ela estava acabando de falar aquelas generalidades à respeito do jornal, não resisti e a perguntei se era possível, se eu quisesse difamar alguém, comprar uma reportagem no jornal. Pensei que ela negaria (na cara de pau) que isso acontecesse. Não negou. E disse ainda mais, que "se tem um escândalo contra um grande anunciante, pode ser que essa matéria não saia no jornal, ou se for inevitável, vamos 'pegar leve'".
Coincidentemente, de novo, hoje, na propaganda de José Serra na televisão, ele disse "no meu governo, não vamos ser amigos de governos que apedrejam mulheres e controlam a imprensa". Sim, a imprensa pode ser controlada por anunciantes, grupos políticos ou quem tenha grana pra poder comprar uma reportagem, mas não deve sofrer nenhum controle por parte do Estado. Não que eu ache que a imprensa deva ser imparcial (nunca serão), mas é preciso deixar de lado essa tentativa de iludir a população. Isto é liberdade de imprensa, ou de expressão? Nem aqui, nem em Teerã.
Uma outra coisa me chamou a atenção: a exposição das pessoas nas capas de jornal. Tanto na imagem acima, quanto na que está aqui do lado, banaliza-se de forma irresponsável casos da vida íntima das pessoas. Uma aluna me contou a seguinte história: "quando mataram meu primo, com 16 tiros, ele saiu na capa do super. Minha avó comprou o jornal no outro dia e foi chorando pra casa". Esquecem-se que, antes de tragédias ou escândalos, existem seres humanos. Não se respeita a memória daquele que morreu, e esquecem que estes anônimos são pais, filhos, irmãos, amigos...
Sim, amigos, vamos pegar leve com os grandes anunciantes e empresários. O povo, que não tem dono, que se foda com suas misérias. Mas, voltemos a Teerã.
Mais adiante, Herbert Vianna pergunta:
"E o futuro o que trará
para as crianças em Teerã?
brincar de soldados,
por entre os escombros.
Os corpos deitados
não fingem mais".
Versos Sensacionais, de uma sutileza digna de Caetano Veloso. Qual de nós nunca brincou de soldados, ou ainda de vivo-morto?
Na segunda parte da música, trata-se da realidade das crianças brasileiras:
"Por quanto tempo ainda vamos ter
nas noites frias e nas manhãs
imagens de dor
em rostos marcados
pequenos demais pra se defender.
E o futuro o que trará?
Se estas crianças vão sempre estar
pedindo trocados, os vidros fechados
sentados no asfalto sem perceber"...
A infância em um país em guerra é desolada. Em um país como o Brasil, onde impera a desigualdade congênita, a situação não me parece muito diferente. Nossas crianças estão perdidas tais como as de Teerã, ou as de Cabul, ou as do Haiti.
Não temos liberdade de imprensa, e a próxima geração de adultos está gravemente prejudicada, pela falta de educação de qualidade e por todas as mazelas fruto da desigualdade social brasileira. "Será que ainda existe razão pra viver em Teerã?"
Nenhum comentário:
Postar um comentário