quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Sorín, Sorín


Carta de Sorín, originalmente postada no plus ou moins blog do juca:


"Há quatro meses conquistamos a Copa Sul Minas.
Há quatro meses fui embora do Cruzeiro
O texto abaixo escrevi para mim, porém, senti a necessidade de compartilhá-lo com vocês.
Simplesmente para que saibam a importância que tudo isso tem na minha vida.
Simplesmente para seguirmos juntos, apesar da distancia.
Hoje, estréio em meu novo time.
São muitas as expectativas e as vontades de sempre, mas esperando um dia retornar a minha segunda casa.

15:58 hs – Banderas en tu corazón (Bandeiras no teu coração).

Setenta e cinco mil caras esperando ver o Cruzeiro campeão.
Saímos rodeados de mascotes e crianças, que nos acompanham sempre com um sorriso.
Pegamos forte e corremos para o gramado.
Uma olhada rápida, mãos para o alto e as primeiras emoções.
Não é comum e é até anormal muitas camisas argentinas, celestes e brancas, no Brasil todas sentimentalmente distinguíveis.
Chegam as placas de homenagem.
Primeiro, do presidente.
Depois, da Máfia Azul e logo uma camisa inesquecível com o meia dúzia nas costas, assinada por todos os funcionários do clube.
A melhor homenagem, da cozinheira ao roupeiro, os encarregados da limpeza, até meus colegas, médicos, técnicos...
Vale ouro! Vale mais suor, ainda!
Sorteio a moeda da Fifa.
Deu branco e ganhei.
No segundo tempo, atacaremos junto ao grosso da nossa torcida.
Antes de começar toca o hino brasileiro.
Todos cantam e eu não. Procuro minha companheira e concentro-me em silêncio.
Observo a torcida e na arquibancada há uma bandeira argentina.
Que orgulho! Não posso acreditar. Onde estão meus amigos do bairro para contar-lhes? Jogam balões para os céus com meu rosto estampado numa bandeira vertical.
É minha despedida, a parte da final. Contenho as lágrimas, soa o apito.

16h20 - Sarando as feridas

Meu Deus! Um choque forte, toco a sobrancelha.
Sangue. Puta que pariu! De novo?
Quarto corte na cabeça em dois anos e meio.
Queria jogar e o juiz reserva "canarinho" disse-me que não!
Quase pede minha substituição e disse-me que há muito sangue.
Peço-lhe por favor. Hoje, não me deixes de fora, irmão!
Ele não entende bem, mas me permite entrar e lá vou eu como um "papai smurf".
Serão seis pontos no intervalo, 0 a 0, com uma bola na trave e um susto forte.

17h40 - Oh meu pai, eu sou Cruzeiro meu pai...

Tira a camisa! Tira a camisa!
Parece uma bola perdida, mas sei que o Ruy vai ganhá-la.
O "cabeção," meu amigo e parceiro de quarto, vai tocá-la por um lado e buscá-la pelo outro (fez uma gaúcha, berra o locutor).
Entra na área e só rola para trás.
Não sei o que faço aí, a não ser confiar nele.
Não sei o que faço senão ir além do sonho da despedida e não há tempo para pensar.
Com três dedos e meio esquisitos de prima, com a sempre canhota bendita e a rede se mexe, é o mundo que explode, vem o delírio, a festa...
Não pode ser real. As cabecinhas que pulam descontroladas, a camisa voando na mão e um grito eterno, inesquecível, uma dança especial.

17h55 - Ah, eu tô maluco!

Bicampeão!
Faltam segundos e não existe sensação comparável como a de ser campeão.
Nos olhamos cúmplices com o Cris e rimos da conquista depois do esforço.
Somos irmãos, somos um punhado azul de raça inquebrantável, enquanto o pessoal na arquibancada baila, grita, goza e por fim estoura com o final.
Escuta-se um estrondo inconfundível.
Um abraço, dois, um milhão, a correria perdida, louca, entre pulos, festejos com cada companheiro, Toninho, Valdir, Tita e Bolinha, todos malucos.
De repente um cara me leva nas costas e damos a volta olímpica.
Não quero que isso termine e penso se pudesse parar o tempo nesse instante, mas não posso.
E aí, vou dando-me conta que também é o final para mim, que estou indo embora do meu time, da minha cidade, da minha gente.
Então, vem a enorme emoção e comemoro como sempre, desenfreado, sem limites, como se fosse a última vez.
Comemoro e cumprimento cada canto do maravilhoso Mineirão.
Despeço-me e quero abraçar a todos.
Quero que dêem a volta conosco, quero dizer-lhes que eles não sabem como necessitamos de todos aqui dentro.
Vejo as faixas e ainda não acredito.
Vejo os rostos de alegria e até hoje nada sai da minha mente.
Depois de tudo, a surpresa com a presença de minha mãe exatamente no Dia das Mães e é impossível não chorar. Finalmente, recebo a Copa tão desejada.
É bonito ser capitão.
É grandioso ser capitão do Cruzeiro e ser campeão.
Levantamos a taça, desfrutamos e saímos a oferecer aos milhares que estavam por todas as partes até o cansaço.
Imagino Minas.
Imagino Belo Horizonte.
Tudo se acaba e não podia ser tão perfeito.
Será que sonhei?
Nem um sonho seria tão incrível.
Estou partindo e pensando se algum outro dia serei tão feliz!"

Juan Pablo Sorín

Eu estava no mineirão este dia e me lembro de cada detalhe descrito por Sorín nesta carta...

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