Vovó Mafalda foi um ícone que animou as manhãs de toda criança nascida na década de 1980. Me lembro muito bem do dia em que eu, com uns três ou quatro anos, assistia a sessão desenho e minha mãe disse a frase que cortaria meu pequeno coração ao meio: "meu filho, a vovó Mafalda é um homem vestido de mulher." Sem dúvidas, esta foi uma das maiores decepções que tive durante a minha infância.
Depois desse dia, nunca mais vi a velha com os mesmos olhos... ela era doce, mas não era mulher, era velha, mas não podia ser avó. Era na verdade um ser híbrido, que saía do meu pequeno sistema de classificação.
Pensando nisso, vejo que esta geração à qual tenho o desprazer de fazer parte, que passou a infância assistindo vovó Mafalda, também tem em si própria algumas características do que a velha se tornou para mim enfant. Somos híbridos, misturamos características que nos fazem os mais perversos seres que já pisaram em solo brasileiro:
Fomos à escola, mas não somos educados.
Temos muita informação, mas não somos bem informados.
Podemos votar, mas não somos democráticos.
Podemos protestar, mas só o fazemos ao contrário. (leia sofativismo ou revolta de papel)
Somos mais esclarecidos, mas vivemos uma atmosfera de intolerância.
Queremos igualdade. Queremos ser iguais os padrões que nos impõe.
Liberdade nada mais é do que poder fazer o que quiser, inconsequentemente.
Tudo que não gostamos é razão para ter ódio.
Tudo em que não acreditamos, chamamos de picaretagem.
Temos consciência, e poluímos como nunca.
Vivemos no século XXI e ainda maltratamos as mulheres.
Negros, velhos, deficientes, pobres ainda são considerados doença.
Consumir é o nosso objetivo de vida.
Criamos, alimentamos, treinamos, testamos e matamos marginais todo o tempo.
Não nos dói mais um corpo no chão...
Choramos com as grandes tragédias, nos esquecendo da grande catástrofe diária brasileira.
Enxergamos tudo perfeitamente, menos aquele menino que passa frio em frente a nossa casa.
Colocamos os caras em Brasília, para depois culpá-los de toda a nossa miséria...
Se pensar mais um pouco, conseguiria escrever muito mais. Mas estou cansado... não falo neste poste de uma "classe média", mas de toda esta minha geração. Tenho a mais profunda vergonha de ter nascido em 11/02/1987.
Prezado Edson, tendo a discordar de você. Não sobre a vergonha em participar de uma geração com todos esses hibridismos lamentáveis que você sabiamente enumerou. Realmente, nossas contradições nos condenam.
ResponderExcluirSó não acho que seja exclusividade nossa esses defeitos. Não sou muito otimista em relação à outras gerações, tanto as anteriores quanto as que vieram depois. Talvez, nossa singularidae perversa seja ter consciência de nossos erros e permanecer neles. O que é bem vergonhoso. Assim como era em relação à vovó Mafalda: todos sabiam que era um homem, mas, ainda assim, era a nossa vovó Mafalda.